O efeito do “Cold Shortening” na qualidade de carne bovina

A qualidade da carne bovina é um fator crucial para atender às expectativas dos consumidores e garantir a satisfação do mercado. Características como maciez, suculência e sabor são determinantes para a aceitabilidade do produto final. Essas qualidades são influenciadas por diversos fatores ao longo da cadeia produtiva, desde o manejo pré-abate até os processos dentro do frigorífico.

Dentro do frigorífico, o controle rigoroso dos processos de resfriamento de carcaças é fundamental para manter a qualidade da carne. A temperatura de resfriamento deve ser cuidadosamente monitorada e ajustada para evitar condições que possam comprometer a integridade das fibras musculares. O “encurtamento pelo frio” é um fenômeno que ilustra a importância desse controle.

O “cold shortening“, como também é conhecido, é um fenômeno que ocorre quando as fibras musculares das carcaças se contraem rápido demais devido à exposição ao frio. Este processo pode afetar drasticamente a qualidade da carne bovina, tornando-a menos saborosa para o consumidor.

Para entender melhor, imagine uma mola. Quando está relaxada, ela é mais fácil de esticar ou romper. Da mesma forma, quando as fibras musculares estão alongadas, a carne tende a ser mais macia e suculenta. No entanto, quando a mola está contraída, torna-se espessa, rígida e difícil de quebrar. Algo semelhante acontece com as fibras musculares durante o cold shortening. Quando expostas ao frio, elas tendem a se contrair ainda mais.

Durante o processo de rigor mortis, os sarcômeros, que são as unidades funcionais das fibras musculares, deslizam uns sobre os outros. Se essas fibras são submetidas ao frio excessivo, antes que o rigor mortis esteja completo, elas tendem a se contrair ainda mais. Essa contração das fibras musculares resulta em uma carne com uma textura mais dura e menos suculenta.

Vamos te explicar com mais detalhes…

Os Sarcômeros e sua Função

Os sarcômeros são as unidades funcionais básicas das fibras musculares esqueléticas e cardíacas. Eles são compostos por filamentos de proteínas, principalmente actina (filamentos finos) e miosina (filamentos grossos), que são responsáveis pela contração muscular. Em um sarcômero, a actina e a miosina estão organizadas de maneira que podem deslizar umas sobre as outras, permitindo a contração e o alongamento do músculo.

Durante a contração muscular, os filamentos de miosina se ligam aos filamentos de actina e “puxam” os filamentos finos em direção ao centro do sarcômero. Esse processo é alimentado pela hidrólise do ATP (adenosina trifosfato), que fornece a energia necessária para a movimentação. Quando o músculo alonga, os filamentos deslizam de volta às suas posições originais, e o sarcômero retorna ao seu comprimento de repouso.

O Processo de Rigor Mortis

Rigor mortis é o processo post-mortem no qual os músculos do corpo passam oir várias mudanças bioquímicas e fisiológicas e se tornam rígidos devido à contração contínua dos sarcômeros. Ele é dividido em várias etapas:

Depleção do ATP:

  • Produção de ATP: Durante a vida, o ATP (adenosina trifosfato) é continuamente produzido através de processos metabólicos como a respiração celular. O ATP é vital para a contração e o alongamento muscular, pois fornece a energia necessária para a separação dos filamentos de actina e miosina.
  • Cessação da Produção de ATP: Após a morte, a produção de ATP cessa porque a respiração celular e outras vias metabólicas param. Sem ATP, os filamentos de miosina permanecem ligados aos filamentos de actina, impedindo o relaxamento muscular e resultando em uma contração contínua.

Contração Involuntária:

    • Formação de Ligações Cruzadas: A falta de ATP leva à formação de ligações cruzadas permanentes entre a actina e a miosina, as duas proteínas principais responsáveis pela contração muscular. Sem ATP, não há energia disponível para desfazer essas ligações, causando contração muscular involuntária.
    • Estado de Contração: Essas ligações cruzadas causam um estado de contração contínua dos músculos, resultando em rigidez.

    Acúmulo de Íons Cálcio:

      • Retículo Sarcoplasmático: Durante a vida, o retículo sarcoplasmático (estruturas especializadas que armazenam íons cálcio) controla a liberação de cálcio nas células musculares.
      • Liberação de Íons Cálcio: Após a morte, o retículo sarcoplasmático se deteriora, liberando íons cálcio no citoplasma das células musculares.
      • Interação Actina-Miosina: Esses íons cálcio promovem a interação entre a actina e a miosina, perpetuando a contração muscular.

      Estabelecimento do Rigor Mortis:

        • Progressão da Rigidez: À medida que mais sarcômeros se contraem e permanecem contraídos, os músculos se tornam progressivamente mais rígidos. Este estado de rigidez aumenta até que todos os músculos do corpo estejam em contração máxima.
        • Tempo de Desenvolvimento: O rigor mortis geralmente começa a se manifestar dentro de 2 a 6 horas após a morte, atinge seu pico em cerca de 12 a 24 horas.

        Dito isso, qual o impacto do frio no Rigor Mortis?

        • Encurtamento excessivo de fibras: Quando as carcaças são resfriadas rapidamente após o abate, a temperatura muscular cai rapidamente, mas o processo de rigor mortis ainda está em andamento. O resfriamento rápido faz com que os sarcômeros, as unidades contráteis das fibras musculares, se encurtem excessivamente.
        • Mecanismo de contração: Normalmente, a contração muscular é controlada pela presença de ATP e íons cálcio. Após a morte, a depleção de ATP impede o relaxamento dos filamentos de actina e miosina, levando a uma contração permanente. Quando o resfriamento é rápido demais, este processo de encurtamento é intensificado, resultando em uma rigidez muscular extrema.
        • Consequências Estruturais: O encurtamento excessivo dos sarcômeros torna as fibras musculares muito mais curtas e grossas. Este estado contraído reduz a elasticidade do músculo, tornando-o mais resistente à mastigação e menos capaz de se expandir durante o cozimento.

        A prevenção do cold shortening é essencial para garantir a qualidade da carne, e a Brazil Beef Quality entende a complexidade desse fenômeno. O frio intenso no frigorífico é necessário e indispensável por razões sanitárias, mas pode ser controlado para minimizar o efeito do cold shortening. Nosso software Beef Score ajuda a mitigar esse problema ao mensurar fatores cruciais como o peso da carcaça, a espessura de gordura e a área de olho de lombo (AOL).

        Carcaças mais pesadas, com maior espessura de gordura e maior AOL são menos suscetíveis ao cold shortening, pois essas características ajudam a retardar o resfriamento rápido e permitem que o rigor mortis ocorra de forma mais gradual. Por outro lado, carcaças leves, com pequena AOL e baixa espessura de gordura são mais vulneráveis a esse fenômeno.

        Por fim, o Beef Score avalia esses fatores e atribui mais pontos a carcaças que se enquadram nas características ideais, proporcionando uma análise precisa do impacto do cold shortening na qualidade da carne. Dessa forma, conseguimos assegurar a produção de carne suculenta, saborosa e macia, que atende às expectativas dos consumidores e mantém a integridade do produto final.

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