A busca incessante pela maciez da carne é uma preocupação constante tanto na indústria alimentícia quanto na culinária em geral. A textura da carne desempenha um papel fundamental na experiência gastronômica, influenciando diretamente o sabor e a aceitação do prato final. Nesse contexto, ao longo dos anos, uma variedade de métodos tem sido desenvolvida com o propósito de amaciar a carne e torná-la mais agradável ao paladar.
O potencial de crescimento no mercado de carne bovina está intimamente ligado à competitividade da indústria de produção, e, nesse cenário, a qualidade desempenha um papel essencial. Entre os atributos de excelência associados à carne bovina, a maciez é destacada como uma característica sensorial de máxima importância na determinação da aceitação do produto pelos consumidores.
Um desses métodos atuais e mais utilizados é a estimulação elétrica (EE), uma técnica que desempenha um papel crucial na busca por tornar a carne mais macia. Essa técnica foi desenvolvida por Harsham e Deatherage e envolve a aplicação de corrente elétrica na carcaça do animal após o abate. A EE pode ser realizada com estímulos de baixa voltagem nos primeiros 10 minutos após a sangria do animal ou com estímulos de alta voltagem na primeira hora após a morte do mesmo.
Na década de 70, pesquisadores da Nova Zelândia aprimoraram essa técnica com o objetivo de resolver o problema da falta de maciez na carne de ovinos, que frequentemente recebia reclamações por parte de importadores. O resultado desse refinamento foi a aceleração do processo de rigor mortis, evitando o encurtamento das fibras musculares e, consequentemente, o endurecimento da carne durante o resfriamento ou congelamento. A eficácia desse método foi confirmada, principalmente em relação aos músculos mais superficiais, como o contrafilé (L. dorsi).
Uma das vantagens significativas da estimulação elétrica é sua viabilidade econômica para as indústrias frigoríficas. Trata-se de uma alternativa de baixo custo que se mostra vantajosa para melhorar as características de qualidade da carne produzida, especialmente em carcaças de bovinos jovens com pouco acabamento.
O processo de estimulação elétrica atua modificando processos bioquímicos e fisiológicos na carne, resultando em uma melhoria perceptível na maciez. Isso é possível graças à rápida queda no pH e à aceleração da atividade proteolítica, que são desencadeados pela estimulação elétrica. No entanto, é importante destacar que a eficácia dessa técnica pode variar de acordo com diversos fatores, como o sistema de eletrodos, voltagem, amperagem e o tempo pós-morte em que a estimulação é aplicada.
Neste artigo, exploraremos mais profundamente o conceito de maciez da carne e os diferentes métodos que são utilizados para amaciá-la. Daremos especial ênfase à estimulação elétrica como uma abordagem eficaz para melhorar a textura da carne, abordando seus princípios, benefícios, variações e suas implicações na indústria de alimentos.
Fonte: Electrical Stimulation Australian Meat Industry Bulletin. Brahman News, June 1999, v. 22, nº 4.
A Importância da Maciez da Carne
A maciez da carne é uma característica sensorial crucial que afeta diretamente a qualidade e a aceitação do produto final. Quando a carne é dura ou fibrosa, a experiência de comer se torna menos agradável, e isso pode prejudicar a satisfação do consumidor. Por outro lado, quando a carne é macia e suculenta, ela é mais apreciada e valorizada em diversos tipos de preparações culinárias.
A textura da carne é determinada principalmente pela estrutura das fibras musculares e pela quantidade de colágeno presente nos tecidos. Fibras musculares longas e uma quantidade adequada de colágeno tornam a carne mais macia e suculenta. No entanto, em alguns casos, a carne pode ser naturalmente dura devido à idade do animal, ao tipo de corte ou ao processamento inadequado.
Para atender às expectativas dos consumidores e garantir uma experiência gastronômica de alta qualidade, a indústria de alimentos e os chefs têm buscado constantemente métodos para amaciar a carne e melhorar sua textura. Diversas técnicas foram desenvolvidas ao longo do tempo para atingir esse objetivo, tais como a cocção tradicional, métodos enzimáticos que fazem uso de enzimas naturais ou industrializadas para aumentar a acidez da carne, métodos químicos que empregam ácidos orgânicos presentes em ingredientes como limão, vinagre e laranja, e métodos mecânicos, como a tendernização da carne através de batidas para torná-la mais macia. Além disso, a estimulação elétrica tem surgido como uma das abordagens mais inovadoras e eficazes para alcançar esse objetivo.
Estimulação Elétrica: Um Método para Melhorar a Maciez da Carne
A estimulação elétrica (EE) é um método muito eficiente para melhorar a maciez da carne. Foi desenvolvida por Harsham e Deatherage e envolve a aplicação de corrente elétrica na carcaça do animal após o abate. Existem duas abordagens principais na aplicação da EE: a estimulação elétrica de baixa voltagem nos primeiros 10 minutos após a sangria do animal e a estimulação elétrica de alta voltagem na primeira hora após a morte do animal.
A aplicação da EE tem um impacto significativo na qualidade da carne, tornando-a mais macia e suculenta. Isso ocorre devido a várias alterações bioquímicas e fisiológicas desencadeadas pelo processo de estimulação elétrica. A seguir, examinaremos os principais efeitos da EE na carne:
Aceleração do Rigor Mortis
Uma das principais contribuições da estimulação elétrica para a melhoria da maciez da carne é a aceleração do processo de rigor mortis. O rigor mortis é um estágio natural que ocorre após o abate de um animal, durante o qual os músculos se contraem e endurecem. Esse processo pode tornar a carne mais dura se não for gerenciado adequadamente.
A EE ajuda a acelerar o rigor mortis, permitindo que ele ocorra em um período mais curto. Isso é benéfico porque, quanto mais rápido o rigor mortis ocorre, menos tempo as fibras musculares têm para encurtar, resultando em uma textura mais macia da carne.
Queda Rápida do pH
Outro efeito importante da EE é a rápida queda no pH da carne. O pH é uma medida da acidez ou alcalinidade de uma substância e desempenha um papel crucial na textura da carne. A estimulação elétrica acelera a queda do pH, criando um ambiente mais ácido nos músculos. Isso ajuda a desnaturalizar as proteínas musculares, tornando-as mais solúveis e contribuindo para a maciez da carne.
Atividade Proteolítica Acelerada
A EE também acelera a atividade proteolítica na carne. As proteases são enzimas que quebram as proteínas musculares em pedaços menores. Quando a atividade proteolítica é acelerada, as proteínas musculares se degradam mais rapidamente, o que, por sua vez, contribui para uma textura mais macia da carne.
Benefícios Econômicos para a Indústria Frigorífica
Além dos benefícios sensoriais para os consumidores, a estimulação elétrica também oferece vantagens econômicas para a indústria frigorífica. É uma técnica de baixo custo que pode melhorar significativamente a qualidade da carne produzida. Isso é especialmente benéfico em relação a carcaças de bovinos jovens com pouco acabamento, onde a textura da carne pode ser um desafio.
A estimulação elétrica permite que os frigoríficos ofereçam produtos de carne mais macia e de melhor qualidade sem aumentar significativamente os custos de produção. Isso pode aumentar a competitividade no mercado e melhorar a satisfação do cliente.
Variações na Técnica de Estimulação Elétrica
Embora a estimulação elétrica seja uma técnica eficaz para melhorar a maciez da carne, é importante destacar que sua eficácia pode variar dependendo de como a técnica é aplicada. Existem várias variações na técnica de EE que podem ter impactos positivos ou negativos na qualidade da carne. As principais variações incluem:
Sistema de Eletrodos
O sistema de eletrodos utilizado na EE pode influenciar significativamente os resultados. A escolha dos eletrodos, sua posição e configuração podem afetar a distribuição da corrente elétrica na carcaça do animal. Um sistema de eletrodos bem projetado pode garantir uma estimulação uniforme e eficaz, enquanto um sistema inadequado pode levar a resultados inconsistentes.
Voltagem e Amperagem
A voltagem e a amperagem são parâmetros importantes na aplicação da EE. A escolha desses valores deve ser cuidadosamente ajustada para atender às características da carne e ao objetivo desejado. Valores inadequados de voltagem e amperagem podem resultar em efeitos indesejados, como superestimulação ou subestimulação.
Tempo Pós-Morte
O momento em que a EE é aplicada após o abate do animal é fundamental. A eficácia da técnica pode variar com o tempo pós-morte. A aplicação precoce da EE nos primeiros minutos após o abate pode ter efeitos diferentes em comparação com a aplicação posterior na primeira hora após a morte do animal. Portanto, o momento ideal da estimulação elétrica deve ser considerado com base no tipo de carne e nos resultados desejados.
Considerações finais:
A busca pela maciez da carne é uma preocupação constante na indústria alimentícia, na gastronomia e entre os consumidores. A textura da carne desempenha um papel fundamental na qualidade e na aceitação dos pratos, e várias técnicas foram desenvolvidas para melhorar sua maciez.
A estimulação elétrica é um método inovador e eficiente para tornar a carne mais macia, que permite que ocorra uma série de alterações bioquímicas e fisiológicas na carne, incluindo a aceleração do rigor mortis, a queda rápida do pH e a atividade proteolítica acelerada. Esses efeitos combinados resultam em uma textura mais suculenta e agradável.
Além dos benefícios sensoriais para os consumidores, a estimulação elétrica também oferece vantagens econômicas para a indústria frigorífica, sendo uma técnica de baixo custo que melhora a qualidade da carne produzida. No entanto, é importante considerar as variações na técnica de EE, como o sistema de eletrodos, voltagem, amperagem e tempo pós-morte, para garantir resultados consistentes e de alta qualidade.
Em resumo, a estimulação elétrica representa um avanço significativo na busca por carne mais macia e suculenta, contribuindo para uma experiência gastronômica mais satisfatória e para o sucesso da indústria de alimentos.
Escrito por: Isabela Gonçalves
REFERÊNCIAS:
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